Inicio > Como o poker venceu preconceitos e se tornou uma potência no Brasil

“México = Brasil 10 anos atrás = Europa 20 anos atrás!”, assim André Akkari, o mais icônico jogador brasileiro, descreveu no Twitter o cancelamento da Mexican Series of Poker, a primeira edição da história do festival que prometia ser um marco na história do poker daquele país, mas não pôde acontecer.

Akkari – que disputava o primeiro dia do torneio High Roller do MSOP – esteve em Riviera Maia, no Caribe mexicano, e viu de perto a invasão de funcionários do governo que pôs fim ao que parecia um evento tão promissor.

Na cabeça do craque deve ter vindo um filme. Não foi a primeira vez que passou por isso. Muitos anos antes, nos primeiros anos do século, a cena era comum, mas no poker brasileiro. Hoje poderoso, a modalidade na época vivia de eventos menores, com premiações totais que raramente ultrapassavam a marca R$ 50 mil.

E pior: convivendo com a constante expectativa que cada torneio – mesmo os maiores, que ainda não eram tão grandes – pudesse ser interrompido por policiais e oficiais de justiça. O jogo de azar é proibido no Brasil e, como sabemos, o poker não é jogo de azar. Naquela época, porém, nem todos sabiam. Na verdade, o senso comum era justamente o contrário.

Coube então à comunidade do poker – bem menor que a de hoje, mas bastante militante – provar ao contrário. Nos bastidores do poker, o principal nome daquela batalha foi Igor Trafane, o Federal – fundador e ex-presidente da Confederação Brasileira de Texas Hold’em (CBTH).

A capacidade de liderança, mobilização e planejamento de Federal (que hoje atua como diretor de relações institucionais da CBTH) – junto a outros nomes do poker brasileiro como Devanir Campos, o DC, e Alberoni Castro, o Bill, – tirou das sombras a modalidade para colocar sob os holofotes. Hoje, estabelecido, o poker nacional estende o braço para comunidades em outros países.

Com o cancelamento do MSOP – embora a decisão não tenha nenhum impacto prático no dia a dia do poker no Brasil – a CBTH resolveu se posicionar, enviando uma carta de apoio à Associação Desportiva Nacional de Poker do México (ADN México).

Nesta semana, o CodigoPoker conversou com Trafane. Entre os assuntos, a proibição no México, suas consequências e, principalmente, como a experiência brasileira pode ajudar na quebra de preconceitos em outros países da América Latina. Veja o que ele disse:

IMPORTÂNCIA DA UNIÃO

Eu acho que esse é um caso que independe de fronteiras. Nós não estamos falando da união de um país como o Brasil a um país como o México nesse momento. Estamos falando das pessoas que praticam poker. Dos amantes da atividade. Das pessoas que trabalham nesse mercado. Das pessoas que investem e tem empresas nesse mercado repudiarem a atitude. E isso está além das fronteiras dos países e dos continentes.

Toda vez que um torneio de poker for fechado a união deve se dar por aqueles que praticam, que gostam e vivem dessa atividade. A importância dessa união é a importância da união de uma classe em torno do que essa classe representa. Fechar um torneio de poker no século 21 ou em 2018 sob alegação de ser um jogo de azar é uma decisão anacrônica, desarrazoada e extemporânea e que só coloca em posição de demérito as autoridades mexicanas por conta de todo o ocorrido. Por isso, a ADN terá todo o apoio da entidade que representa o poker no Brasil. Seria assim fosse isso no México, no Brasil, na Europa na Ásia ou em qualquer parte do mundo.

SEGREDOS DO SUCESSO
Além de demonstrar o apoio, Federal, que esteve em contato com dirigentes da ADN nesta semana, nesta entrevista compartilhou seu conhecimento e contou como fez o poker do Brasil vencer a barreira do preconceito.

Há muitos anos que isso já não acontece no Brasil. Mas no início da nossa luta, isso acontecia com bastante frequência. E a recomendação que eu dou é que eles não parem de lutar nunca, como o Brasil não parou nos idos de 2005, 2006, 2007 e 2008 em que atitudes como essa eram frequentes.

O que a gente fazia era não desistir. Lutar sempre dentro da justiça. Dentro do âmbito legal e jurídico do nosso país para que as autoridades reconhecessem a nossa legitimidade, legalidade, o nosso direito de praticar poker. A recomendação que eu dou é que o México faça a mesmo.

Não interessa que fecharam um torneio e que isso tenha causado transtorno, decepção, frustração e até prejuízo. O único caminho é seguir em frente, seguir realizando outros torneios e, se forem fechados, tem que seguir provando na justiça que atividade do poker não pode ser percebida como um jogo de azar.

Só existe uma forma do poker ser reconhecido. Que é lutar nas esferas legais e com entidades competentes até fazer com que sua tese seja vencedora.

FÉ NA PROPRIA CAUSA E SABER LIDAR COM OS REVEZES

Federal fala em força de vontade, insistência. Além disso, a confiança de que estavam do lado correto foi fundamental para que o cenário de 2005 a 2008 fosse revertido. A partir de 2009, as coisas começaram a andar, mas com contratempos.

Devanir Campos, diretor do Brazilian Series Of Poker, que também foi ouvido pelo CodigoPoker, destaca a importância da postura firme da CBTH em casos da década passada, como o da etapa do BSOP no Paraná, em 2009, que teve que ser interrompida pela alegação de que lá se praticava “jogo de azar”.

Devanir Campos e Felipe Mojave

“Em 2009, Federal e o presidente da Federação Paranaense de Texas Holdem (FPTH), Geraldo Campelo, foram para a delegacia para esclarecer que se tratava de um jogo de habilidade e não de azar”, conta DC.

Na ocasião, os policiais, para liberá-los, incentivaram os dois dirigentes a assinar um termo circunstanciado, admitindo que estariam praticando atividade ilegal. Tanto os mandatários da CBTH quanto da FPTH se recusaram a aceitar o acordo. Escolheram brigar na justiça e venceram essa batalha, como muitas outras.

“Nos primeiros anos, essa história se repetiu em diversos clubes”, conta DC. Que define a luta do poker como uma batalha boa de ser brigada. “Nunca aceitamos esse tipo de acordo, nem baixamos a cabeça. Existem dois tipos de briga. Briga boa e briga ruim. Essa é uma briga boa porque estamos do lado certo».

PARECERES TÉCNICOS
A mobilização da comunidade e a insistência dos promotores do poker foi importante, mas isso talvez não fosse suficiente se os dirigentes brasileiros não trabalhassem nos bastidores de forma a conseguirem provar por A mais B que aquilo nunca se tratou de um jogo de azar.

Foi o que a CBTH fez na última década, em vez de simplesmente insistir de maneira dando murros em pontas de faca.

Em 2010, o professor Miguel Reale Junior, ex-Ministro da Justiça, ex- Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e renomado jurista e professor de Direito Penal, pontuou:

“Poker, pela própria natureza do jogo, depende em grande parte da habilidade do jogador, razão pela qual não pode ser tido como jogo de azar…”

Em 2011, a Secretaria de Segurança Pública paulista afirmou que o Texas Hold’em é um jogo de habilidade. Desde então, os casos de proibição de tornaram raríssimos.  O último aconteceu em 2013, com o cancelamento de uma etapa do BSOP do Rio de Janeiro. Novamente, a CBTH entrou na justiça contra a arbitrariedade e, em 2016, venceu a causa.

Em cerca de 10 anos, o que era visto erradamente como uma atividade marginal passou a ser chancelado pelo governo federal, com a participação inclusive do então Ministro dos Esportes Aldo Rebelo, em 2013.

APOIO INCONDICIONAL
O México é o Brasil de ontem no que diz respeito ao poker. Quem sabe em pouco tempo, o MSOP seja o BSOP de hoje. Como demonstrou o CodigoPoker, a ADN segue caminho parecido com o da CBTH buscando comprovar de maneira técnica que o poker é um esporte mental.

Se, além disso, o México precisar da união e da solidariedade de outras comunidades, Igor Trafane garante: a ADN não está sozinha.

“Enviamos uma carta de repúdio à proibição e apoio à ADN e nos colocamos totalmente a disposição. Isso aconteceria e acontecerá em qualquer lugar do mundo que alguém reporte que um torneio foi fechado. Em pleno século 21, em uma fase de direito a liberdades individuais e a direitos civis das pessoas você ter um torneio de poker cancelado é motivo de repúdio. E a CBTH faria e fará isso em apoio a qualquer entidade que represente o poker em seus países”

 

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